domingo, 16 de fevereiro de 2014

ENTREVISTA 1: portador de TDAH

João Cavalcanti, 51 anos, é portador de TDAH
e aceitou contar um pouco sobre como
é conviver com esse transtorno.

A VIDA DE UM TDAH...

QSQ:TDAH - Como o seu TDAH evoluiu ao longo do tempo?

João - Eu tive uma história de depressão recorrente. Lembro que por volta dos 18 ou 19 anos esses eventos depressivos começaram a aparecer em mim. Eles apareciam do nada. Não tinha um gatilho, como costumavam dizer. E teve um evento muito forte... eu morava só e eu simplesmente parei de trabalhar e tudo o mais. Um amigo meu foi lá porque estava estranhando, pois eu não me comunicava mais com ninguém. Ele me encontrou acuado num quarto, há não sei quantos dias, sem comer, sem tomar banho... num estado deplorável. E ele me internou numa clínica (minha família esteve muito distante nessa história toda), orientado por um psiquiatra. Essa clínica era de Recife, e só depois de um tempo eu fui saber que era uma clínica especializada para drogados. Lá me explicaram que a depressão era um fato comum às pessoas que fazem uso de drogas e estão em abstinência, mas nunca tive envolvimento com nenhum tipo de droga. Eu fiquei lá por 45 dias e foi uma experiência terrível pra mim, não sei avaliar se saí bem ou mal dessa história. Eu sai de lá com um diagnóstico de portador de depressão maior, uma coisa que até então eu nunca tinha ouvido falar.

QSQ: TDAH - Quando você foi diagnosticado com TDAH?

João - Bom, eu fui aprendendo a identificar quando vinham esses episódios depressivos, e há cerca de 5 anos atrás tive a percepção de que essa depressão ia se instalar e eu, preventivamente, procurei um psiquiatra. E me assustei porque até então eu nunca tinha ouvido falar sobre TDAH. O psiquiatra começou a fazer uma investigação mais acurada sobre o processo, pois ele não acreditava que uma depressão maior ocorresse sem um gatilho. Foi ele quem primeiro levantou a possibilidade de TDAH, sendo muito cuidadoso porque ele disse que não é em uma conversa que se dá um diagnóstico. Ele também envolveu uma psicóloga na história, pra ela fazer uma avaliação.

QSQ:TDAH - Como você se sentia antes e como passou a se sentir depois do diagnóstico?

João - Eu tenho uma característica que é engraçada: eu procuro saber tudo sobre o que dizem que eu tenho ou sobre o que me interessa, e naquela hora o TDAH me interessava. Então eu fui numa livraria e comprei o que pude sobre o assunto, também fui até a universidade e procurei livros sobre TDAH. Eu fiz uma imersão nessa história de TDAH... E aí eu comecei a identificar algumas situações na minha vida que teriam alguma justificativa. Foi, ao mesmo tempo, alentador e assustador. Alentador por eu saber que era um transtorno que dava justificativas (não para os outros, mas pra mim) sobre vários acontecimentos da minha vida; e assustador porque eu pensei ”o que vou fazer da minha vida, já adulto, com isso?” E toda a literatura sempre faz referência a pessoas na fase da infância e adolescência. Daí pra frente eu resolvi envolver profissionais na história.

QSQ:TDAH - Você gostaria de contar algum episódio da sua vida em que você percebeu que foi motivado pelo TDAH?

João - Minhas relações afetivas, por exemplo, acontecem quase como um mantra: me apaixonar, começar uma relação, fazer planos, perder o foco e largar. Hoje eu tenho várias ex-namoradas que não sei nem como conseguiram ficar amigas minhas [risos]. Na escola eu era um aluno que abandonava muito as disciplinas. Eu só tinha duas coisas dentro da universidade: ou eu era aprovado por média (em geral, alta) ou era reprovado por falta. Se eu perdesse o foco, eu abandonava... Também era de comprar a briga de todo mundo e as minhas também. Quando eu olho pra isso eu fico até assustado quando vejo alguém dizer, como o próprio Eisenberg (criador do TDAH, como ele mesmo se denominou), que o TDAH foi uma farsa. Só quem tem o TDAH sabe o que viver com isso...


AS DIFICULDADES ENCONTRADAS...


QSQ:TDAH - Quais as principais dificuldades e/ou limitações encontradas?

João - Limitações pra mim é uma coisa que não existe. Elas podem até existir, mas eu as ignoro. Mas isso é um traço da minha personalidade, pois, quando algo me traz um mal estar, eu abandono. Não estou negando a existência de limitações, só que eu as desconheço, mas mais por um traço de personalidade minha. Dificuldades eu tenho, mas eu as coloco no mesmo balaio das limitações.

QSQ:TDAH - E você tem dificuldades em quê?

João - Uma dificuldade grande é a de concluir coisas. Eu brigo com essa dificuldade todos os dias. Eu estou no 11º curso universitário. Já cursei Geografia, Engenharia Florestal, Engenharia de Pesca, Engenharia Civil, Direito, Arquitetura, Gestão Ambiental, Medicina, Teologia, Física...

QSQ: TDAH – Você possui alguma comorbidade?

João - Mal o meu TDAH foi diagnosticado, já foi iniciada a investigação de possíveis comorbidades. Eu sou bipolar, meu diagnóstico é fechado: eu tenho TDAH e bipolaridade. Às vezes a comorbidade no adulto toma um espaço maior do que o próprio TDAH e a justificativa para isso, imagino, é que o adulto de uma certa forma aprende a conviver com o TDAH. Eu não sei dizer como é viver sem o TDAH. Eu não sei em que momento específico da vida a bipolaridade apareceu, mas ela é muito pior do que o TDAH. Hoje eu me questiono se os episódios de depressão são ligados ao TDAH ou a bipolaridade.

QSQ: TDAH - Você acha que as pessoas diagnosticadas com TDAH sofrem algum tipo de preconceito?

João - Eu não sinto isso, mas algumas pessoas não querem assumir que tem TDAH. O TDAH é uma doença mental e esse nome ficou... O nome “doente mental” para muitos significa “doido”, e nem todo mundo gosta de carregar o nome de “doido” e também nem todo mundo quer conviver com um “doido”. Acho que temos que desmistificar isso.


O TRATAMENTO...


QSQ: TDAH - Por quais tipos de tratamento você já passou? Foram eficazes?

João - Como eu falei, o meu TDAH foi diagnosticado por um psiquiatra e ele sugeriu que eu fizesse TCC pra organizar um pouco a minha vida. Eu acredito na validade do TCC, possivelmente, para quem está na infância e adolescência... porque na verdade aquilo é um adestramento. Pra mim não funcionou porque eu quis pular etapas e esse é um tipo de tratamento muito gradual.

Eu faço terapia até hoje com uma psicóloga. Também vou ao psiquiatra e tenho uma amiga que faz acompanhamento psicopedagogo comigo pra que eu não saia abandonando os cursos pelo meio do caminho... Se você me perguntar se eu noto melhoras, eu lhe respondo que sim.

Também tomo Ritalina LA 20mg/dia, ou, às vezes, eu mesmo faço a minha dosagem conforme minha necessidade (se ela é LA ou não, eu que resolvo). Também tomo um estabilizante de humor, a Carbamazepina. Tomo um remédio que foi desenvolvido para a esquizofrenia, mas que em doses altas faz bem à bipolaridade, que é a Quetiapina. Tomo Clonazepam (Rivotril) ‘SE’ eu tiver necessidade disso. Mas hoje em dia estou vendo a com a minha psiquiatra a possibilidade de retirar alguns desses medicamentos. Acredito que eu vá terminar apenas com a Ritalina (ela tem um efeito muito bom sobre mim, sem querer dizer que todo TDAH precise de Ritalina ou Conserta) e com o estabilizante de humor, que é a Carbamazepina.



UMA MENSAGEM DO JOÃO...






3 comentários:

  1. João, também sou de Recife e tenho dificuldades em encontrar um psiquiatra especializado no TDAH. Tenho episódios recorrentes de depressão e vivo abandonando meus tratamentos. Acumulo meus trabalhos, nunca mudei de profissão, entretanto, o máximo que consegui ficar em um emprego foi dois anos e onze meses. E aí eu faço planos mirabolantes, começo do zero, ganhando menos, quando vou melhorando, acabo partindo para outra.
    Estou em uma situação agora que não me permite partir para outra, entretanto, tô com medo de perder o emprego porque tenho acumulado o trabalho e acho que não estou correspondendo as expectativas de com quem trabalho.
    É comum eu inventar que estou doente e passar três dias seguidos dentro de casa sem fazer nada, como nesses últimos três dias.
    O que quero saber é o nome do seu psiquiatra e onde posso encontrá-lo, telefone e endereço, para ver se ele pode me ajudar.
    (Há algum tempo já me disseram que eu tinha TDAH, mas ninguém nunca conseguiu me dar certeza).
    Obrigada!
    MC.

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  2. Olá MC!
    Olha só, embora seja de Recife e tenha dado essa entrevista para o pessoal do blog em Recife, atualmente moro no RS e lá é que faço meu tratamento. Mas tenho uma boa rede de conhecimento do pessoal que se envolve com o TDAH e o TAB. Entra em contato via e-mail e/ou facebook que ficamos mais a vontade para conversar.
    e-mail: joaocunhacavalcanti@gmail.com
    face: Joao Cavalcanti
    Abraço e não se desespere,,, no que puder ajudar, estou junto.

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  3. Tbm gostaria de uma indicação de algum bom profissional aqui em Recife.
    Por favor me ajude!
    Obrigada

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