quarta-feira, 4 de junho de 2014

O que é ser portador de TDAH?

Por João Cavalcanti


Não sei responder esta pergunta com certezas, aliás, o próprio transtorno é, não raramente, confrontado com incertezas. Ele existe de fato ou foi uma doença inventada? Tem resposta pra todo gosto. O que realmente importa para mim é que alguma coisa é fora do "padrão" no meu funcionamento, e para se fazer uma afirmação destas é necessário ter um "modelo" para comparar e ver o que está em desacordo com o "correto".

Como se pode observar, em um parágrafo cabe tantas possibilidades de interpretações que se chega a desanimar ou animar quem estiver com alguma curiosidade sobre o assunto. A primeira coisa que devo dizer é que receber um diagnóstico deste não foi a coisa mais terrível de minha vida, mas foi uma coisa que me fez mergulhar na minha história para saber até onde isso influenciou ou não minhas escolhas e suas consequências. Num primeiro instante quis saber o que era aquilo, de que realmente se tratava o tal transtorno, pois diferente de ter sido diagnosticado com HAS, uma condição que ninguém nunca contestou (pelo menos não ouvi uma voz em contrário) e de fácil entendimento com uma simples explicação do cardiologista, este TDAH era uma novidade e, descobri logo na partida, um "modismo" para uma parcela dos médicos.

Aqui cabe a minha primeira reflexão; qualquer doença que seja mental, e o TDAH está nesse balaio, já é olhado com reserva e se a ela não se apresenta uma causa física geradora (até hoje não se consegue ligar a nada) entramos no universo dos psiquismos, matéria controversa não só entre os médicos mas também entre os psicólogos. Para os leigos, doença mental é coisa de doido - não importa que isso não seja necessariamente assim - e daí vem uma avalanche de preconceitos e afastamentos... Também não acho que viver com um doido seja fácil, mas e quando você não tem opção de não viver sem ele ao lado?

Pois eu tenho que conviver com o meu doido, goste ou não goste, não tenho escolha; e tenho, mas passa por renunciar a vida, coisa que já pensei frequentemente. Restou-me por uma dedução racional, conhecer o meu problema, e fui estudar sobre o TDAH e saber como tirar partido das minhas limitações (se existirem; é que sou avesso a acreditar em qualquer coisa que tolha minhas possibilidades). E fiz isso ao cabo de 3 longos anos. O resultado não foi bom: como clímax desta situação terminei por ter um surto psicótico e imagino (não tenho certeza desta afirmação, estava só e não tenho como checar) ter tentado o suicídio... o socorro que pedi, e sei que pedi, não  veio a tempo por que razões não sei (mas talvez seja aquela que já mencionei, não é fácil viver com um doido) e quando chegou, não veio como alento e sim aumentando meu sofrimento. Foi a coisa mais difícil na minha vida até aquele momento (não tenho ilusões de que outras coisas piores não possam acontecer, mas não empresto muito valor as desgraças humanas futuras, já é de bom tamanho as do presente e luto para descartar as do passado) e de certa forma ainda é atualmente, é que tudo isso acaba de completar 2 anos. Muito tempo para sofrer e pouco para se restabelecer. 

Vou arriscar responder aquela pergunta inicial; sei que existe um transtorno, sei que não é uma novidade na história médica pessoas com este padrão de comportamento, sei que hoje se fala muito sobre este assunto (talvez o "modismo"), sei que aumenta exponencialmente o número de diagnóstico de TDAH, sei que colocam a indústria farmacêutica por trás do transtorno, sei um bocado de coisa, mas não sei explicar como é ser um TDAH (último nome para um transtorno que já teve tantos nomes, incluindo o Disfunção Cerebral Mínima, termo usado pela primeira vez em 1962, um avanço se comparado a Lesão Cerebral Mínima utilizado em 1947... mas aqui se imaginava uma lesão, então tinha uma assinatura física em alguma estrutura). Não sei o motivo, desde que me lembro e dos que os outros se lembram de mim, tive este comportamento. Sei que meu jeito é considerado fora dos "padrões" que alguém em algum momento estabeleceu como sendo o normal. Mas também não sei porque existe padrões para seres humanos. Somos tão diversos. Luto contra o preconceito, exponho minha cara, não dou brecha à violência de me estigmatizarem, dou nome aos meus sentimentos, reajo porque se não for deste jeito vão conseguir me inferiorizar. Mas não pensem que isso é fácil, foram embora muitos sonhos, muitos desejos, foi embora parte do brilho no olhar. Pessoas se afastaram quando recebeu o nome de transtorno o meu jeito de ser, minha vida foi comprimida pelos "normais" e é muito difícil e solitário lutar contra isso. Mas luto. Na verdade o que me salva é ter aprendido a viver sozinho (coisa que já sabia fazer antes de o diagnóstico vir) e um humor que por vezes permite eu rir de mim mesmo.

Me diz aí, como é ser um NORMAL?

sábado, 8 de março de 2014

ENTREVISTA 2: portador de TDAH


Nossa entrevista de hoje é com o Ivan Monticelli, 60 anos, portador
de TDAH e participante-voluntário de grupos de apoio online. Ele nos
contou como foi receber o diagnóstico, as intervenções utilizadas e a
importância de se superar a desinformação sobre o tema.


QSQ:TDAH - Quais sinais ou eventos te levaram a desconfiar de que algo estava “errado”?

IvanBom, desde pequeno me achava diferente, desadaptado e buscava entender. Tinha dificuldades de relacionamento com amigos, muita zombaria com meu jeito de ser e eu não entendia o porquê. Buscava o conceito de ser normal, pois todos me chamavam de louco entre outros apelidos.

QSQ:TDAHEm que momento você procurou ajuda especializada?

IvanEnquanto jovem busquei na religião um entendimento de mim mesmo, uma resposta. Passei por várias religiões sempre levando a sério e com responsabilidade. Mas não ajudou... Fiz terapia algumas vezes e N.A. (neuróticos anônimos). Tudo isso me ajudou bastante, mas não era o conforto que esperava. Estudei sobre temperamentos, horóscopo e cursos de controle da mente. Tudo em vão!

QSQ:TDAH - Como você se sentiu quando foi diagnosticado com TDAH? Quais eram os seus temores?

IvanSenti um forte alívio de me ver descrito num quadro conhecido. Eu não era louco! E muito medo de que fosse mais uma tentativa fútil de me entender e me encontrar. Ao saber que poderia precisar de medicação senti muito medo por desinformação e a preocupação de dependência, efeitos colaterais etc.

QSQ:TDAH - Qual foi a sua postura diante do seu diagnóstico? Ou qual foi a sua primeira atitude?

Ivan - Aceitei, embora meio assustado. Procurei estudar tudo que pude sobre o tema, entrar em um grupo de apoio e fazer TCC (terapia cognitivo comportamental). Pensei: piorar é impossível, pois já estava com pensamentos de morte e de desesperança.

QSQ:TDAH - Na sua opinião, o que deve ser feito ao receber um diagnóstico de TDAH?

Ivan - Uma vez tendo sido diagnosticado por especialista em TDAH, muita psico educação, avisar os entes queridos e pessoas de convívio, buscar apoio da família e se ajudar ajudando outras pessoas a superar as dificuldades e a desinformação. Se tornar um voluntário.

QSQ:TDAH - O seu TDAH se manifesta de alguma forma específica (subtipos)?

Ivan - Como dizem, sou um “Tedeagazão”: hiperativo-impulsivo com comorbidades associadas.

QSQ:TDAH - Quais são os transtornos comórbidos associados?

IvanDescobri que tenho ansiedade, depressão e TOD (transtorno positivo desafiador).

QSQ:TDAH - O TDAH já te trouxe (ou traz) algum tipo de problema e/ou limitação?

IvanSou muito competente e trabalhador, mas, uma vez terminado o desafio não consigo permanecer no mesmo trabalho, curso, amizades. Procuro sempre mais.

QSQ:TDAH - Você utiliza algum tipo de estratégia ou técnica para minimizar possíveis problemas?

IvanMuitas. Ando com um gravador para anotar minhas ideias e pensamentos, bilhetes, agenda e me mantenho sempre estudando novas formas de ver a aprender.

QSQ:TDAH - Em quais tipos de tratamento você já ouviu falar? Já passou (ou ainda passa) por algum deles?

IvanConsultas mensais com psiquiatra, grupo de apoio, TCC, medicação, psico-educação e engajamento. Converso sempre com a família e pessoas próximas, pois sei que é difícil para um neuro-típico entender o TDAH.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

ENTREVISTA 1: portador de TDAH

João Cavalcanti, 51 anos, é portador de TDAH
e aceitou contar um pouco sobre como
é conviver com esse transtorno.

A VIDA DE UM TDAH...

QSQ:TDAH - Como o seu TDAH evoluiu ao longo do tempo?

João - Eu tive uma história de depressão recorrente. Lembro que por volta dos 18 ou 19 anos esses eventos depressivos começaram a aparecer em mim. Eles apareciam do nada. Não tinha um gatilho, como costumavam dizer. E teve um evento muito forte... eu morava só e eu simplesmente parei de trabalhar e tudo o mais. Um amigo meu foi lá porque estava estranhando, pois eu não me comunicava mais com ninguém. Ele me encontrou acuado num quarto, há não sei quantos dias, sem comer, sem tomar banho... num estado deplorável. E ele me internou numa clínica (minha família esteve muito distante nessa história toda), orientado por um psiquiatra. Essa clínica era de Recife, e só depois de um tempo eu fui saber que era uma clínica especializada para drogados. Lá me explicaram que a depressão era um fato comum às pessoas que fazem uso de drogas e estão em abstinência, mas nunca tive envolvimento com nenhum tipo de droga. Eu fiquei lá por 45 dias e foi uma experiência terrível pra mim, não sei avaliar se saí bem ou mal dessa história. Eu sai de lá com um diagnóstico de portador de depressão maior, uma coisa que até então eu nunca tinha ouvido falar.

QSQ: TDAH - Quando você foi diagnosticado com TDAH?

João - Bom, eu fui aprendendo a identificar quando vinham esses episódios depressivos, e há cerca de 5 anos atrás tive a percepção de que essa depressão ia se instalar e eu, preventivamente, procurei um psiquiatra. E me assustei porque até então eu nunca tinha ouvido falar sobre TDAH. O psiquiatra começou a fazer uma investigação mais acurada sobre o processo, pois ele não acreditava que uma depressão maior ocorresse sem um gatilho. Foi ele quem primeiro levantou a possibilidade de TDAH, sendo muito cuidadoso porque ele disse que não é em uma conversa que se dá um diagnóstico. Ele também envolveu uma psicóloga na história, pra ela fazer uma avaliação.

QSQ:TDAH - Como você se sentia antes e como passou a se sentir depois do diagnóstico?

João - Eu tenho uma característica que é engraçada: eu procuro saber tudo sobre o que dizem que eu tenho ou sobre o que me interessa, e naquela hora o TDAH me interessava. Então eu fui numa livraria e comprei o que pude sobre o assunto, também fui até a universidade e procurei livros sobre TDAH. Eu fiz uma imersão nessa história de TDAH... E aí eu comecei a identificar algumas situações na minha vida que teriam alguma justificativa. Foi, ao mesmo tempo, alentador e assustador. Alentador por eu saber que era um transtorno que dava justificativas (não para os outros, mas pra mim) sobre vários acontecimentos da minha vida; e assustador porque eu pensei ”o que vou fazer da minha vida, já adulto, com isso?” E toda a literatura sempre faz referência a pessoas na fase da infância e adolescência. Daí pra frente eu resolvi envolver profissionais na história.

QSQ:TDAH - Você gostaria de contar algum episódio da sua vida em que você percebeu que foi motivado pelo TDAH?

João - Minhas relações afetivas, por exemplo, acontecem quase como um mantra: me apaixonar, começar uma relação, fazer planos, perder o foco e largar. Hoje eu tenho várias ex-namoradas que não sei nem como conseguiram ficar amigas minhas [risos]. Na escola eu era um aluno que abandonava muito as disciplinas. Eu só tinha duas coisas dentro da universidade: ou eu era aprovado por média (em geral, alta) ou era reprovado por falta. Se eu perdesse o foco, eu abandonava... Também era de comprar a briga de todo mundo e as minhas também. Quando eu olho pra isso eu fico até assustado quando vejo alguém dizer, como o próprio Eisenberg (criador do TDAH, como ele mesmo se denominou), que o TDAH foi uma farsa. Só quem tem o TDAH sabe o que viver com isso...


AS DIFICULDADES ENCONTRADAS...


QSQ:TDAH - Quais as principais dificuldades e/ou limitações encontradas?

João - Limitações pra mim é uma coisa que não existe. Elas podem até existir, mas eu as ignoro. Mas isso é um traço da minha personalidade, pois, quando algo me traz um mal estar, eu abandono. Não estou negando a existência de limitações, só que eu as desconheço, mas mais por um traço de personalidade minha. Dificuldades eu tenho, mas eu as coloco no mesmo balaio das limitações.

QSQ:TDAH - E você tem dificuldades em quê?

João - Uma dificuldade grande é a de concluir coisas. Eu brigo com essa dificuldade todos os dias. Eu estou no 11º curso universitário. Já cursei Geografia, Engenharia Florestal, Engenharia de Pesca, Engenharia Civil, Direito, Arquitetura, Gestão Ambiental, Medicina, Teologia, Física...

QSQ: TDAH – Você possui alguma comorbidade?

João - Mal o meu TDAH foi diagnosticado, já foi iniciada a investigação de possíveis comorbidades. Eu sou bipolar, meu diagnóstico é fechado: eu tenho TDAH e bipolaridade. Às vezes a comorbidade no adulto toma um espaço maior do que o próprio TDAH e a justificativa para isso, imagino, é que o adulto de uma certa forma aprende a conviver com o TDAH. Eu não sei dizer como é viver sem o TDAH. Eu não sei em que momento específico da vida a bipolaridade apareceu, mas ela é muito pior do que o TDAH. Hoje eu me questiono se os episódios de depressão são ligados ao TDAH ou a bipolaridade.

QSQ: TDAH - Você acha que as pessoas diagnosticadas com TDAH sofrem algum tipo de preconceito?

João - Eu não sinto isso, mas algumas pessoas não querem assumir que tem TDAH. O TDAH é uma doença mental e esse nome ficou... O nome “doente mental” para muitos significa “doido”, e nem todo mundo gosta de carregar o nome de “doido” e também nem todo mundo quer conviver com um “doido”. Acho que temos que desmistificar isso.


O TRATAMENTO...


QSQ: TDAH - Por quais tipos de tratamento você já passou? Foram eficazes?

João - Como eu falei, o meu TDAH foi diagnosticado por um psiquiatra e ele sugeriu que eu fizesse TCC pra organizar um pouco a minha vida. Eu acredito na validade do TCC, possivelmente, para quem está na infância e adolescência... porque na verdade aquilo é um adestramento. Pra mim não funcionou porque eu quis pular etapas e esse é um tipo de tratamento muito gradual.

Eu faço terapia até hoje com uma psicóloga. Também vou ao psiquiatra e tenho uma amiga que faz acompanhamento psicopedagogo comigo pra que eu não saia abandonando os cursos pelo meio do caminho... Se você me perguntar se eu noto melhoras, eu lhe respondo que sim.

Também tomo Ritalina LA 20mg/dia, ou, às vezes, eu mesmo faço a minha dosagem conforme minha necessidade (se ela é LA ou não, eu que resolvo). Também tomo um estabilizante de humor, a Carbamazepina. Tomo um remédio que foi desenvolvido para a esquizofrenia, mas que em doses altas faz bem à bipolaridade, que é a Quetiapina. Tomo Clonazepam (Rivotril) ‘SE’ eu tiver necessidade disso. Mas hoje em dia estou vendo a com a minha psiquiatra a possibilidade de retirar alguns desses medicamentos. Acredito que eu vá terminar apenas com a Ritalina (ela tem um efeito muito bom sobre mim, sem querer dizer que todo TDAH precise de Ritalina ou Conserta) e com o estabilizante de humor, que é a Carbamazepina.



UMA MENSAGEM DO JOÃO...






O poder do discurso psiquiátrico no TDAH

A forma como vemos e sentimos o mundo e tudo o que está presente nele é uma maneira de sintetizar e classificar tudo ao nosso redor. Essa classificação ocorre quando existe alguma diferença entre as pessoas, seja cultural, racial ou econômica, onde até mesmo pessoas que são ditas como normais são classificadas de alguma forma, podendo iniciar assim um processo de rotulação e preconceito.

Ian Hacking (2006)5 afirma que nosso mundo é um mundo de classificação e que essas classificações, ou nomes, têm efeitos particulares quando se referem a comportamentos de uma pessoa, pois o indivíduo, ao tomar consciência de sua classificação, tende a modificar seu comportamento.1 Seja de forma positiva, quando o indivíduo passa a pertencer a uma determinada classe, fortalecendo suas características; ou negativa, quando o indivíduo resiste a essa classificação.

Desta forma, é possível pensarmos que um diagnóstico dado passa a ser um ponto de divergência, pois, a partir do momento em que o diagnóstico é dado, passamos a impor um rótulo, sendo o diagnóstico um ponto de partida para um tratamento específico e padronizado. Hacking (1999) sugere uma diferença entre o elemento indiferente da doença, que são as causas biológicas e o elemento interativo, que é o estereótipo (conjunto de sintomas) do portador daquela doença e que assume ainda um caráter social, envolvendo comportamentos e julgamentos sociais.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

TDAH e as fases da vida: adolescência, adulto e velhice

Uma das poucas certezas que temos em nossas vidas é que vamos nos desenvolver, crescer. Começamos pela infância, passamos pela adolescência, nos consolidamos na fase adulta e nos readaptamos na velhice. As fases da vida nos perpassam e com elas, as mudanças físicas, mentais e sociais são inevitáveis. É importante observar que esse desenvolver ao longo da vida se dá de maneira diferente para algumas pessoas, de acordo com suas limitações.1

Partindo da ótica do TDAH, o objetivo dessa postagem é de tentar entender como se dão essas fases da vida, quais as dificuldades e quais os métodos usados para lidar com os percalços consequentes desse transtorno. A princípio, antes de começarmos a destrinchar o nosso objetivo, temos que refletir e nos posicionar na seguinte dicotomia: o TDAH é um transtorno temporário ou permanente?

Vale ressaltar que para uma pessoa ser diagnosticada com o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), tem que apresentar um conjunto de sintomas neurológicos e comportamentais e condições ambientais desfavoráveis ao desenvolvimento, ao qual o sujeito está exposto. Um transtorno, como o TDAH, afeta as funções executivas do sujeito (auto-controle e auto-regulação),  e não tem cura, mas que pode ser controlado e atenuado ao longo do tempo. Com isso, podemos dizer que o TDAH é um transtorno permanente, que quando diagnosticado e tratado de forma consciente, pode favorecer ao portador um desenvolvimento sem grandes danos. De acordo com o Manual Clínico do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade,

No que se refere aos critérios diagnósticos usados nas pesquisas, o que se pode verificar é que os critérios do DSM-IV tornam-se gradativamente menos sensíveis ao transtorno á medida que a idade aumenta. Esses critérios mostram-se adequados para o reconhecimento de casos na infância e inicio da adolescência. Tornam-se um pouco menos adequados na adolescência mais tardia e menos acurados ainda à medida que a pessoa ingressa na idade adulta. (Manual Clinico do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Org.: Ana G. Hounie e Walter Camargos Jr. Editora Info Ltda, 2005. , p. 511)


TDAH na fase da adolescência

A adolescência é uma fase de intensas e significativas mudanças, é o momento em que o/a sujeito(a) se vê fora da infância, começando a construir seus objetivos, tomando posse das suas responsabilidades e desejos, até adentrar a fase adulta. O adolescente em si é um ser em conflito, é normal nessa etapa da vida os jovens terem que tomar decisões importantes, que por muitas vezes o acompanharão pela vida adulta. 

A relação que um jovem com TDAH tem com a família, a escola, as suas emoções e as suas descobertas é de extrema importância, para entender como ele se coloca diante das suas construções. A desatenção, a impulsividade, a falta de controle das emoções, a dificuldade em lidar com laços afetivos, ordem e organização podem levar o jovem a se descontrolar e não conseguir progredir, ou seja, alcançar o controle de suas capacidades. A incapacidade de prever consequências é um dos grandes problemas do portador de TDAH, principalmente na adolescência.

forma de lidar com esses percalços na passagem da adolescência para a vida a adulta é ser bem sucedido em alguma área nessa fase da vida e ter um acompanhamento terapêutico. Seja na escola, na família ou numa atividade esportiva é importante o jovem saber, que apesar do seu transtorno, pode realizar muito bem diversas atividades propostas nesse momento de sua vida. Ainda de acordo com o Manual, deve-se

[...]reforçar a recomendação de se utilizar uma estratégia que enfatize os pontos fortes do adolescente e minimize seus pontos fracos. Propicia-se, dessa forma, o sucesso que leva a um aumento da autoestima e da autoconfiança. Chegar à vida adulta de maneira satisfatória está relacionado a fatores como temperamento, capacidade intelectual, desenvolvimento emocional adequado, intervenções terapêuticas, ambiente familiar favorável e maneira de educar. (Manual Clinico do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Org.: Ana G. Hounie e Walter Camargos Jr. Editora Info Ltda, 2005., p. 501)


TDAH na fase adulta

Muitos estudos indicam que o TDAH é um transtorno que às vezes se dissipa na fase da adolescência. Ou seja, as características de TDAH se atenuam de tal maneira que o indivíduo consegue levar uma vida normal, como qualquer pessoa não-TDAH. No entanto, isso só pode ser possível quando o portador do transtorno é diagnosticado de forma correta e assim ser submetido a um tratamento adequado, seja ele farmacológico e/ou terapêutico, mas que seja rigorosamente acompanhado por profissionais especializados e conscientes.

Um adulto que tem os sintomas do TDAH continua tendo queixas em relação á impulsividade, concentração e principalmente de sua capacidade de atenção. Percebem que essas funções são de extrema importância para a execução de atividades mais elaboradas que a atual fase da vida exige. Alguns adultos relatam que jamais conseguiram ler um livro inteiro, e frequentar uma faculdade acaba sendo um desafio. Por outro lado, alguns adultos com TDAH que conseguem completar o ensino superior e ingressam no mercado de trabalho relatam enfrentar problemas de baixa produtividade, pela má administração do tempo e desorganização. As relações afetivas também são comprometidas pela dificuldade de modulação das emoções.3

O indivíduo portador do TDAH pode criar estratégias compensatórias para amenizar os possíveis danos, como:

o uso constante de agenda para evitar falhas de memória, o adiantamento do relógio para compensar o atraso habitual, e alguns até desenvolvem uma verificação obsessiva, na tentativa de compensar uma iminente desorganização. Nesses casos, o papel do terapeuta consiste em reforçar e até em estimular o aperfeiçoamento desses hábitos compensadores, ao mesmo tempo, livrando o cliente da culpa de fazer uso deles. (Manual Clinico do Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Org.: Ana G. Hounie e Walter Camargos Jr. Editora Info Ltda, 2005., p. 538)


TDAH na fase de envelhecimento

Existem poucos estudos que relacionam o idoso ou a fase da velhice com o TDAH. Contudo, podemos fazer um breve paralelo entre as características do envelhecimento, onde são frequentes as perdas das competências cognitivas (memoria, raciocínio, atenção, aprendizagem, etc.) e motoras. A ideia de “fim”, “declínio” e “morte” estão altamente ligadas ao fato de envelhecer. Porém, uma nova concepção adaptada ao idoso, denominada de “envelhecimento ativo”, olha para ele como alguém que ainda deve e pode produzir.2 A ideia do Lifespan (paradigma de desenvolvimento ao longo da vida), parecer ser uma intervenção benéfica ao envelhecimento saudável, no entanto ainda não faz parte da formação de muitos psicólogos brasileiros.

TDAH: entre bases e determinismos biológicos

Como se sabe, o TDAH vem sendo relacionado a alterações de natureza neurobiológica, genética e neuroquímica. A primeira delas faz referência a uma disfunção executiva do córtex pré-frontal, que levaria a dificuldades na organização, planejamento e autorregulação. Segundo Barkley citado por Lopes et al. (2005), estudos utilizando técnicas de neuro-imagem revelam um comprometimento do lobo frontal e de estruturas subcorticais com ele relacionadas.1 Com relação à genética, muito se fala sobre a sua influência e herdabilidade no TDAH. Diferentes genes vêm sendo investigados e dados de estudos neurobiológicos sugerem o envolvimento dos genes que codificam componentes dos sistemas dopaminérgico, noradrenérgico e serotoninérgico. Já sobre a neuroquímica, apontam-se dois sistemas mais importantes relacionados ao TDAH: o sistema dopaminérgico e o sistema noradrenérgico, sem falar numa possível influência do sistema serotoninérgico (ROHDE & MATTOS, 2003, p. 45).2

Acredita-se que a inicial falta da demonstração de que o transtorno é causado por um conjunto de aspectos biológicos foi o que pôs sua existência como duvidosa. E foi a partir da década de 80 que foram levantadas as primeiras hipóteses acerca do envolvimento dos lobos frontais na disfunção atencional.3 Recentemente, exames de neuroimagem como a ressonância magnética (RM) e o PET (Tomografia por Emissão de Positrões), têm contribuído para caracterização do transtorno.

Como se vê, os aspectos biológicos da etiologia descrita na literatura do TDAH têm sido bastante enfatizados, o que pode levar a uma tendência em insistir numa explicação reducionista em detrimento de qualquer outra. Isso significa dizer que fenômenos muito complexos acabam por ser explicados por meio de fragmentos, em que o processo objetivado e quantificado deixa de ser propriedade do indivíduo e passa a ser propriedade de uma parte desse indivíduo (BRZOZOWSKI & CAPONI, 2012).4

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

TDAH e educação formal

Por muito tempo se acreditou que o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade era algo sem muita importância, que não traria grandes consequências na vida dos pacientes e que os sintomas como desatenção e hiperatividade logo cessariam com a puberdade. Entretanto, na última década, esta visão de pouca importância para com o TDAH se modificou e o número de diagnósticos desse transtorno no contexto escolar vem crescendo a cada dia.¹

 Este aumento no número de diagnósticos não só vem chamando cada vez mais a atenção dos pais, professores e pedagogos, mas também de pesquisadores que se voltam para entender melhor este transtorno do desenvolvimento que afeta a atenção, o controle de impulsos e o nível de atividade (BARKLEY, 2002).¹

Segundo Meister (2001), este é o diagnóstico mais comum em crianças que são encaminhadas a algum atendimento médico ou psicológico, por demonstrarem comportamentos que são tidos como inadequados para a escola, causando baixo rendimento escolar ou mesmo dificuldades na aprendizagem, mesmo não sendo este um transtorno da aprendizagem.4 A consequência desta íntima relação que acaba existindo entre a sala de aula e o TDAH sobrecarrega o professor com a responsabilidade de identificação do diagnóstico de seus alunos.4

Diagnóstico

Como se percebe que uma criança tem TDAH, se este é um transtorno que engloba sintomas que são comuns em portadores e não portadores, tais como dificuldade de concentração, falha na finalização de tarefas ou inconsistência na realização de um objeto definido? A resposta é entender que o TDAH é um problema crônico e que pode vir a se estender para a adolescência e a vida adulta trazendo consigo problemas comportamentais, emocionais e sociais. Por isso, é tão importante um diagnóstico ainda nos primeiros anos de vida do indivíduo. ( BARKLEY, 2002)

Segundo o DSM-IV existem informações importantes para saber se um indivíduo tem ou não este transtorno, como por exemplo:

  • Alguns dos sintomas de desatenção ou hiperatividade/impulsividade já estarem presentes antes dos 7 anos de vida.
  • Que estas dificuldades ocorram em pelo menos dois ambientes diferentes (como em casa e na escola, por exemplo).
  • E que nos últimos 6 meses venham trazendo problemas na vida familiar e escolar do indivíduo.²


O levantamento destes sintomas deve ser feito por meio de entrevista com os pais da criança, onde devem ser levantadas as queixas e os sintomas, buscando sempre relatos do comportamento dela tanto em casa como em atividades sociais. Os professores também devem ser inquiridos sobre o comportamento da criança durante as aulas (desempenho nas atividades) e em momentos do intervalo (relacionamento com colegas e outros adultos). Questionários e escalas de sintomas devem ser preenchidos pelos pais e professores, a criança deve ser observada no consultório, bem como deve ser feita uma avaliação neuropsicológica, psicopedagógica e fonoaudiológica.²

Intervenção Psicopedagógica

Uma criança com TDAH apresenta dificuldades de manter a atenção e a concentração, e isso trás como consequência um possível desinteresse e indisciplina em atividades que precisam de responsabilidade. O tratamento é medicamentoso, mas também necessita de intervenção psicopedagógica, que busca oferecer subsídios para a educação inclusiva de crianças com o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade.

O papel do psicopedagogo vai abranger algumas esferas importantes para a vida do indivíduo portador de TDAH, como ajudar a criança neste déficit, dar apoio ao professor que muitas vezes não sabe lidar com um aluno portador de TDAH e orientação familiar.

Conforme Benczink (2002), o acompanhamento psicopedagógico é importante, já que auxilia na aprendizagem, atuando diretamente nas dificuldades escolares que são apresentadas pela criança, suprindo a defasagem, reforçando o conteúdo para permitir a aquisição de novos conhecimentos.²

Família – O papel do psicopedagogo também é de trabalhar junto à família, mostrando que ela tem um papel muito importante, podendo ajudar no tratamento de diversas formas como o de manter um diálogo aberto entre os pais e os filhos e estabelecer regras claras de comportamento. Tendo de conhecer o máximo possível sobre a temática do TDAH, visando orientar os pais de como lidar com as dificuldades apresentadas por esta criança.5

Professores – Cabe ao psicopedagogo esclarecer ao educador que ele deve buscar avaliar a criança com TDAH considerando o esforço da criança e não se conseguiu ou não terminar uma tarefa, e também para não vir a rotular o indivíduo com TDAH como incapacitado no processo de aprendizagem. Goldstein (1994) aponta que uma criança com TDAH pode ser tão inteligente quanto qualquer outra, sendo de extrema importância que se ofereça os estímulos necessários para não tornar a escola como um ambiente chato e odiado pela criança com o transtorno.5

Aluno – As contribuições da psicopedagogia para o aprendizado do aluno são em varias áreas como: detectar os principais pontos de dificuldades, criação de técnicas acadêmicas eficazes para o bom desempenho na vida acadêmica do aluno e incentivo a leitura.5

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

TDAH e comorbidades

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, como se sabe, manifesta-se basicamente a partir de níveis significativos de desatenção, hiperatividade e impulsividade, que afetam negativamente o funcionamento interpessoal, acadêmico e familiar do indivíduo.  Somado a isso, observa-se uma elevada incidência de transtornos comórbidos, o que pode dificultar mais ainda o seu diagnóstico.

Alguns são mais frequentes, como é o caso do transtorno de conduta (TC), transtorno do desafio e oposição (TDO), transtornos de ansiedade, transtorno de humor bipolar (TBH) e depressão. Outros também são possíveis, embora menos frequentes, como o transtorno de aprendizagem (especialmente dislexia e discalculia) e a síndrome de Tourette, além do abuso de drogas ilícitas.

O que é comorbidade?

O termo “comorbidade” refere-se à presença ou associação de duas ou mais doenças no mesmo paciente.² No caso do TDAH, estudos apontam que apenas 30% das crianças diagnosticadas não apresentam comorbidades (MORAES et al., 2007).


A seguir veremos do que se tratam esses transtornos e qual a sua relação com o TDAH.

Transtorno de conduta (TC)

Os transtornos da conduta abrangem os comportamentos de risco que podem comprometer a saúde física e mental do indivíduo, como o uso de álcool, o uso de substâncias ilícitas e violência.3 De acordo como DSM-IV, o transtorno de conduta é caracterizado por padrões de comportamentos repetitivos e persistentes, no qual são violados direitos básicos dos outros, normas ou regras sociais.4 De acordo com Grevet et al. (2007), o TC associado ao TDAH implica em um aumento significativo na impulsividade e agressividade.

Transtorno do desafio e oposição (TDO)

O DSM-IV caracteriza o transtorno de oposição e desafio como um padrão recorrente de comportamento negativista, desafiador, desobediente e hostil principalmente com figuras de autoridades, causando prejuízo significativo na vida acadêmica, social e familiar do paciente.5 O TDAH parece ser um fator de risco para o desenvolvimento de TDO (SERRA-PINHEIRO et al., 2004) ao mesmo tempo que o transtorno de oposição e desafio intensificaria as características de impulsividade e isolacionismo do TDAH (GREVET et al., 2007).

Transtornos de ansiedade

Os transtornos de ansiedade são condições psiquiátricas que acarretam grandes prejuízos ao longo do desenvolvimento do paciente. Neste quadro, o indivíduo costuma apresentar uma sensação de ansiedade generalizada com angústias e preocupações excessivas,6 o que pode levar a um maior nível de distração, esquecimentos e agitação mental.7

Transtorno de humor bipolar (TBH) e Depressão

O transtorno de humor bipolar pode se dar de duas formas: I – caracterizado pela ocorrência de um ou mais episódios maníacos ou episódios mistos; e II – caracterizado pela ocorrência de um ou mais episódios depressivos maiores, acompanhado por pelo menos um episódio hipomaníaco.8 De acordo com Rohde et al., (2004), somente após a estabilização do quadro bipolar, passa-se ao tratamento dos sintomas de TDAH.

Transtornos de aprendizagem

Segundo o DSM-IV, os transtornos de aprendizagem compreendem inabilidades específicas de leitura, matemática ou expressão escrita que se situam muito abaixo do esperado para idade, escolarização e nível de inteligência do indivíduo.9 No TDAH, os transtornos de aprendizagem podem ser justificados pelo processo de atenção, fator essencial para a adequada aprendizagem e desenvolvimento da linguagem, estar comprometido.

Transtorno de Tourette

O transtorno de Tourette tem como característica múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais que costumam ocorrer muitas vezes ao dia, de forma recorrente.10 Estudos epidemiológicos revelam que mais da metade dos pacientes com transtorno de Tourette apresenta transtorno de déficit de atenção com hiperatividade associado. (PASSOS & LOPEZ, 2010)


É importante destacar que a presença de comorbidades produz alterações no tratamento e prognóstico dos pacientes com TDAH, além de ser um fator essencial no entendimento do caráter heterogêneo deste transtorno.

[REFERÊNCIAS]

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Contextualizando: Quase Sem Querer

É verdade que o TDAH é um transtorno bastante controverso, marcado por diversos conflitos não só com relação à sua existência, à sua causa ou ao seu tratamento, mas também do próprio portador consigo mesmo e com os outros. Fala-se bastante que não é fácil conviver com um indivíduo portador de TDAH, só que menos fácil ainda é ser um portador de TDAH.

Neste vídeo mostramos alguns dos sentimentos enfrentados por pessoas diagnosticadas com esse transtorno, fazendo uma analogia à música "Quase sem querer", do Legião Urbana (que é título do nosso blog). Assista: