quarta-feira, 4 de junho de 2014

O que é ser portador de TDAH?

Por João Cavalcanti


Não sei responder esta pergunta com certezas, aliás, o próprio transtorno é, não raramente, confrontado com incertezas. Ele existe de fato ou foi uma doença inventada? Tem resposta pra todo gosto. O que realmente importa para mim é que alguma coisa é fora do "padrão" no meu funcionamento, e para se fazer uma afirmação destas é necessário ter um "modelo" para comparar e ver o que está em desacordo com o "correto".

Como se pode observar, em um parágrafo cabe tantas possibilidades de interpretações que se chega a desanimar ou animar quem estiver com alguma curiosidade sobre o assunto. A primeira coisa que devo dizer é que receber um diagnóstico deste não foi a coisa mais terrível de minha vida, mas foi uma coisa que me fez mergulhar na minha história para saber até onde isso influenciou ou não minhas escolhas e suas consequências. Num primeiro instante quis saber o que era aquilo, de que realmente se tratava o tal transtorno, pois diferente de ter sido diagnosticado com HAS, uma condição que ninguém nunca contestou (pelo menos não ouvi uma voz em contrário) e de fácil entendimento com uma simples explicação do cardiologista, este TDAH era uma novidade e, descobri logo na partida, um "modismo" para uma parcela dos médicos.

Aqui cabe a minha primeira reflexão; qualquer doença que seja mental, e o TDAH está nesse balaio, já é olhado com reserva e se a ela não se apresenta uma causa física geradora (até hoje não se consegue ligar a nada) entramos no universo dos psiquismos, matéria controversa não só entre os médicos mas também entre os psicólogos. Para os leigos, doença mental é coisa de doido - não importa que isso não seja necessariamente assim - e daí vem uma avalanche de preconceitos e afastamentos... Também não acho que viver com um doido seja fácil, mas e quando você não tem opção de não viver sem ele ao lado?

Pois eu tenho que conviver com o meu doido, goste ou não goste, não tenho escolha; e tenho, mas passa por renunciar a vida, coisa que já pensei frequentemente. Restou-me por uma dedução racional, conhecer o meu problema, e fui estudar sobre o TDAH e saber como tirar partido das minhas limitações (se existirem; é que sou avesso a acreditar em qualquer coisa que tolha minhas possibilidades). E fiz isso ao cabo de 3 longos anos. O resultado não foi bom: como clímax desta situação terminei por ter um surto psicótico e imagino (não tenho certeza desta afirmação, estava só e não tenho como checar) ter tentado o suicídio... o socorro que pedi, e sei que pedi, não  veio a tempo por que razões não sei (mas talvez seja aquela que já mencionei, não é fácil viver com um doido) e quando chegou, não veio como alento e sim aumentando meu sofrimento. Foi a coisa mais difícil na minha vida até aquele momento (não tenho ilusões de que outras coisas piores não possam acontecer, mas não empresto muito valor as desgraças humanas futuras, já é de bom tamanho as do presente e luto para descartar as do passado) e de certa forma ainda é atualmente, é que tudo isso acaba de completar 2 anos. Muito tempo para sofrer e pouco para se restabelecer. 

Vou arriscar responder aquela pergunta inicial; sei que existe um transtorno, sei que não é uma novidade na história médica pessoas com este padrão de comportamento, sei que hoje se fala muito sobre este assunto (talvez o "modismo"), sei que aumenta exponencialmente o número de diagnóstico de TDAH, sei que colocam a indústria farmacêutica por trás do transtorno, sei um bocado de coisa, mas não sei explicar como é ser um TDAH (último nome para um transtorno que já teve tantos nomes, incluindo o Disfunção Cerebral Mínima, termo usado pela primeira vez em 1962, um avanço se comparado a Lesão Cerebral Mínima utilizado em 1947... mas aqui se imaginava uma lesão, então tinha uma assinatura física em alguma estrutura). Não sei o motivo, desde que me lembro e dos que os outros se lembram de mim, tive este comportamento. Sei que meu jeito é considerado fora dos "padrões" que alguém em algum momento estabeleceu como sendo o normal. Mas também não sei porque existe padrões para seres humanos. Somos tão diversos. Luto contra o preconceito, exponho minha cara, não dou brecha à violência de me estigmatizarem, dou nome aos meus sentimentos, reajo porque se não for deste jeito vão conseguir me inferiorizar. Mas não pensem que isso é fácil, foram embora muitos sonhos, muitos desejos, foi embora parte do brilho no olhar. Pessoas se afastaram quando recebeu o nome de transtorno o meu jeito de ser, minha vida foi comprimida pelos "normais" e é muito difícil e solitário lutar contra isso. Mas luto. Na verdade o que me salva é ter aprendido a viver sozinho (coisa que já sabia fazer antes de o diagnóstico vir) e um humor que por vezes permite eu rir de mim mesmo.

Me diz aí, como é ser um NORMAL?